sábado, 22 de julho de 2017

Camille Claudel - Quando o gênio não floresce

   Os gênios artísticos são como raras flores que precisam de determinadas condições que possibilitem seu crescimento. Claudel é o infeliz e trágico caso de uma dessas flores, cujo crescimento não foi
possível devido às infelizes circunstâncias que se sobrepuseram ao seu gênio, fazendo de sua existência um fardo dos mais árduos. Mas, tal qual uma semente que luta contra as adversidades do solo para ascender à luz, assim lutou ela bravamente e, por alguns momentos, sentiu o divino calor dessa luz, expresso em suas maiores obras.
   Infelizmente, porém, as adversidades foram mais fortes, forçando-a a viver seus últimos trinta anos de vida isolada numa instituição psiquiátrica. Listo a seguir essas principais adversidades, que fazem dessa artista um exemplo de alguém que, embora tivesse um enorme potencial, não pôde este ser desenvolvido devido às adversidades de seu tempo e cultura. Em outras palavras - um exemplo de uma artista que nasceu no momento errado, e que estava à frente de seu tempo.

1 - Seu momento histórico: Camille Claudel (1864-1943) viveu num momento histórico em que, não apenas na França, mas em todo o ocidente, a glória e a grandeza eram destinadas somente aos homens, inclusive no campo da arte. A grandiosa École des Beaux-Arts barrava a entrada de mulheres, e Camille só encontrou espaço na já extinta Academia Colarossi. Mesmo que algumas mulheres alcançassem algum prestígio, como a impressionista Berthe Morisot, nunca era algo comparável ao prestígio recebido pelos homens (tanto o é que essas artistas, quando lembradas, são sempre comparadas à seus contemporâneos homens).
    Assim - culturalmente as mulheres não eram estimuladas à prática artística, sendo confinadas na esfera do lar familiar; e as poucas que se arriscavam nesse mundo, muito provavelmente não receberiam o prestígio desejado. Tivesse nascido hoje, Claudel teria muitas mais possibilidades para seu desenvolvimento artístico.

2 - Sua família e a condição financeira: Camille dedicou-se à uma arte cara, que além disso dava pouco retorno financeiro, principalmente para alguém que não correspondia ás expectativas da época. Ela ficou financeiramente dependente, assim, de sua família; seu pai apoiava sua vocação artística, e até sua morte foi sua principal fonte de dinheiro.
   Para piorar a situação, Camille não tinha uma boa relação com a mãe e o irmão. A primeira parecia odiá-la, pois desejava um filho homem e não apoiava a escolha da filha de ser escultora. E o irmão, o conhecido escritor Paul Claudel, era provavelmente um grande invejoso - nunca reconheceu ou incentivou o talento da irmã, e preferia vê-la na obscuridade. Após a morte do pai, sua família tomou controle da finança, cortando todo o incentivo financeiro à Camille, que foi aos poucos obrigada a desistir de sua arte.

3 - Sua relação com Rodin: Claudel foi conhecida por seu relacionamento íntimo com Auguste Rodin, que era vinte e quatro anos mais velho. O atrito entre os dois era de cunho sentimental e artístico; sentimental pois Rodin recusou separar-se de sua mulher para conviver com Camille, considerando-a apenas como aprendiz e amante. E artístico pois, com o tempo, Camille passou a adotar um estilo próprio de arte, que se afastava do estilo idealizado por Rodin; isso com o tempo foi progressivamente incomodando Rodin, que cortou os laços com Claudel. A separação entre ambos e seu envolvimento complexo, que resultou num eventual aborto, foi a gota d'água para a escultora, cuja saúde mental deteriorou-se.

4 - Sua instabilidade psicológica: Depois de todas as adversidades que vimos acima, era inevitável o desenvolvimento, na escultora, de uma instabilidade psicológica. Ela passou a expressar esses sinais através de manias de perseguição, acusando Rodin de persegui-la e roubar suas ideias. A família aproveitou-se de sua instabilidade e, após a morte do pai, internou-a numa clínica até o fim de sua vida, mesmo contra sua vontade.
   Há relatos de amigos que visitaram Camille e notaram que ela não tinha nenhum transtorno grave, a ponto de ser isolada da sociedade; os próprios médicos  da clínica ocasionalmente tentavam um acordo com essa pseudo-família, para tentar reintegrá-la ao círculo social. Mas estes sempre rejeitavam, deixando claro sua negligência para com ela. No fim das contas, fica claro que seus transtornos foram um efeito, e não uma causa, de uma vida conflituosa com um meio social e familiar que não atenderam à seu potencial.

   Com todas essas adversidades, Camille Claudel se mostra uma artista trágica; suas grandes obras, das poucas que sobraram e foram possíveis, demonstram um esforço alquímico em transformar todo esse sofrimento em algo grandioso e divino. Ela é, assim, um desses casos especiais na história da arte - daqueles que fizeram, de suas adversidades, sua arte. É aí que está sua grandeza, que fez seu nome durar e inspirar admiração até nossos dias.


(1893) Cloto - Escultura em Gesso


   Nessa escultura em gesso, Claudel representa Cloto, umas das moiras da mitologia grega. As moiras eram uma tríade de deusas que determinavam os destinos dos deuses e homens ao fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de cada um. No caso, Cloto era a responsável por tecer esses fios, determinando, por exemplo, o momento de nascimento e morte dos indivíduos. Embora a representação das moiras seja algo relativamente comum no mundo da arte, a representação de apenas uma delas, isolada das outras, é bem raro. E aqui, curiosamente, Claudel representa a moira sem os ideais de beleza clássicos; ela é velha e cadavérica, tal qual uma deusa da morte.


(1897) Les Causeuses e La Vague - Esculturas em Mármore, Bronze e Onyx



     
   Ambas as esculturas, feitas aproximadamente na mesma época, demonstram uma mesma textura, já que foram esculpidas com os mesmos materiais. Já vemos aqui mais de sua individualidade, ao tratar de temas não usuais e de forte apelo simbólico. Na Causeuses, quatro pessoas fofocam entre quatro paredes, deixando evidente o quão secreto é esse ato e , de certa forma, também vulgar. Em La Vague, três mulheres fazem uma espécie de ciranda, enquanto uma onda está preste a engoli-las. O simbolismo é aqui muito forte, como três pessoas que se entretêm, enquanto o acaso - ou o destino - está preste a carregá-los com uma adversidade.


(1905) Perseu e a Górgona - Escultura em Mármore


   Claudel retoma, aqui, a mitologia grega, fonte inspiradora de toda arte da idade moderna. Nesse mito, Perseu decapita uma das górgonas e as observa através do reflexo em seu escudo, pois eram elas capazes de petrificar quem as olhassem diretamente. É uma escultura bem moderna, na qual Claudel se afasta do excesso de detalhes e do realismo idealizado pelos renascentistas.


(1905) Sakountala - Escultura em Mármore


    Na Sakountala, Camille expõe dois amantes ardentes em sua paixão, se aproximando mais de algumas obras de Rodin, como L'Éternelle idole. Como nessa escultura, a mulher se situa acima do homem, que é endeusada e idealizada por este. Aqui, porém, há um menor teor sexual, enquanto a mulher parece render-se à paixão de seu amado.


(1905) La Valse  - Escultura em Bronze


    Penso que a arte escultural é em muito parecida com a fotografia - é o saber captar o momento certo, que expresse da maneira mais precisa aquilo que é intencionado pelo artista. Em La Valse, Camille encontra esse momento certo, de uma forma única e nova; é uma escultura forte em sua expressão, no qual os amantes se seguram com firmeza, como se nunca fossem se largar. Também é forte em seu simbolismo, ao utilizar uma dança de valsa. Pois a dança representa a mais profunda pulsão artística - uma pulsão de redenção à vida; o dançarino é aquele que tem em sua dança uma resposta ao que há de mais trágico na existência. E talvez seja isso que Camille tenha encontrado em seu amor, e o expôs nesta escultura.


1898 - 1913 L’âge mûr ou La destinée - Escultura em Bronze


   Por fim, sua obra-prima, no qual Camille expõe seu medo mais profundo - o de ser abandonada por seu amado. Os mesmos amantes que se seguram com tanta firmeza em La Valse, aqui se afastam, sendo o amante levado por uma outra figura, enquanto a outra implora sua permanência. A emotividade é intensa, e quase sentimos na pele, com a contemplação dessa obra, a profundidade da dor de alguém que sofre um abandono de alguém que realmente era importante para si. É uma escultura no qual tudo se encaixa para o expressar dessa emotividade, dessa dor - seu arranjo é perfeito, no qual não há nada a se retirar ou acrescentar.

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