quinta-feira, 6 de julho de 2017

Jules Joseph Lefebvre - A morte de Príamo, Pandora e outras obras

   Não há muito o que se dizer de Lefebvre - apesar da vida longa (74 anos) produziu poucas obras, relativamente ao seu tempo de trabalho. Menor ainda foi o número de suas obras-primas; entre as que tive o prazer de contemplar, além de A morte de Príamo, apenas Pandora e Graziella, que seguem uma mesma estrutura, podem ser consideradas como absolutamente únicas e notáveis, não apenas em beleza, como também em simbolismo. Além delas, as poucas outras obras que chamam atenção não são muito originais - não só o tema, como a pose dos personagens tiveram origem em artistas anteriores. Mas há de se considerar que são belas cópias! Seguem algumas dessas obras que me chamaram atenção:




A morte de Príamo (1861)




   Uma de suas primeiras obras, com a qual ganhou o prestigioso Prix de Rome. Retrata a morte de Príamo, lendário rei de Troia. E merecidamente - uma maravilhosa pintura; a dramaticidade é retratada sem exageros. A iluminação no centro, para retratar os protagonistas da pintura, é impecável. É aquele tipo de pintura cheia de detalhes, na qual podemos passear com os olhos - cada personagem no fundo escuro, apesar de expressarem todos um pavor pela invasão em Troia, o expressam cada qual de forma única, dando individualidade aos personagens. Os detalhes mais aos fundos e do cenário em geral são ricos e claros. É tudo como uma fotografia perfeita, um conjunto de movimentos congelados, na qual Príamo e seu assassino expressam teatralmente seus destinos: o primeiro olha ao alto, de forma redentora à morte eminente; o segundo empunha sua espada com glória, ciente da fama que terá entre os gregos por matar o rei troiano. É assim, no fundo, uma pintura sobre destinos que se cruzam - poderia muito bem se chamar ruína e glória.


La Vérité (1870)



   Basta prestar bem atenção para perceber qual o parentesco desse quadro - a estátua da liberdade. Para quem sempre teve o fetiche de vê-la nua, eis aí. O primeiro modelo reduzido da estátua foi feita por um contemporâneo de Lefebvre, também francês, de onde provavelmente tirou sua influência. De qualquer forma, é também um belíssimo quadro - a verticalidade é perfeita para a apresentação, que chama todo o foco ao corpo da modelo. Lefebvre também fez outros quadros com a mesma proporção, mas não tão belos como a Vérité. A iluminação no corpo e a firmeza de sua coloração atraem logo a vista; sem dúvida é esse o atrativo formal da obra. Mas o atrativo simbólico está nessa espécie de lâmpada que é carregada, ocupando cerca de 1/3 da pintura - seu contraste com o fundo escuro transmite um simbolismo muito forte de algo que se ascende na escuridão e a ilumina - o próprio ideal da verdade que é proposto pelo pintor; e esse ideal se realiza, como dito, tanto na forma da modelo como no simbolismo da lâmpada.



(1874) Odalisque


Odalisque de Lefebvre

(1814) Grand Odalisque - Ingres

   A odalisca, enquanto tema artístico, é conhecida a todos os familiares com a história da arte. E qual o primeiro quadro vem à mente ao se tratar desse tema? Ora, a Grand Odalisque, de Ingres, feita em 1814. É claramente a inspiração desse quadro acima, que copiou a pose de costas da Odalisca. Fazendo uma comparação, a Grand Odalisque é claramente superior - principalmente nos traços que são característicos de Ingres, e no mínimo cuidado aos objetos que cercam a modelo. Comparando os cenários, o de Ingres é muito mais detalhado, ganhando também na força da coloração. Mas Lefebvre trabalhou melhor na iluminação da Odalisca, que se destaca no meio do cenário, enquanto na Odalisca de Ingres ela parece muito mais parte dele, do que algo distinto. A de Ingres também é claramente sexualizada, tanto no olhar, na pose, quanto nos seios quase à mostra. Talvez a de Lefebvre acabe por ser mais sedutora, justamente por se ocultar, nos levando à curiosidade de ver seu corpo e sua face. É essa questão sedutora, do ocultamento e do convite, a força de ambos os quadros. Cabe ao observador fazer sua escolha.


(1876) Maria Madalena em uma caverna

Madalena de Lefebvre

(1863) O nascimento de Vênus - Cabanel

    Quem iria imaginar, uma santa católica e a deusa do amor Afrodite, nuas e semelhantes em pose! Ambas também exploram a sexualidade da mulher, mas de forma muito mais explícita. Lefevbre mais uma vez demonstra melhor domínio da iluminação do quadro. É belíssimo em sua forma, mas de poucas ideias e expressividade - o cenário e a organização da pintura não impressionam. Já no nascimento de Vênus o conjunto é muito mais criativo - a forma como a deusa consegue se sobrepor na água, como se fosse uma superfície plana, é mágica e único. A vastidão do céu, em conjunto com seu azul e o azul do mar, dão um tom de leveza quase místico. E por fim, todo o conjunto de expressões - como cada anjo se comporta de maneira diferente, dando uma impressão de movimento; o olhar de Vênus quase fechado, demonstrando seu lento despertar. Tudo isso faz desse quadro uma obra-prima, ao contrário do primeiro, que é só mais um belo quadro.


(1877) Pandora e (1878) Graziella






   Pessoalmente, minhas favoritas, e até onde sei são marcas próprias de Lefebvre. O mito de Pandora é bem conhecido, mas esse quadro faz algo de diferente a esse mito. Tem um tom enigmático, distinto, que faz jus à grandeza de Pandora. Um de meus quadros prediletos - amo como a escuridão se alastra ao redor de Pandora, e seu olhar estranho, não-humano. A estrela sobre sua cabeça tem a mesma força simbólica da lâmpada carregada na Vérité. Mas em ambos os quadros, a beleza está na composição: uma mulher sentada num precipício, a olhar o vasto infinito. O segundo parece uma versão mais humana e realista do primeiro, tendo esse primeiro como objetivo resgatar o espírito mitológico e órfico dos gregos.


 Se te interessar, segue um link com 48 quadros do pintor: http://www.jules-joseph-lefebvre.org/

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